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FOTO: Zózimo Bulbull, um dos primeiros diretores negros brasileiros, em "Alma no Olho"/ Divulgação

REPRESENTAÇÃO EM PROL DE UM PROTAGONISMO

por Rhuan de Castro e Letícia Feitosa

Representação é o ato ou efeito de representar-se. Tal efeito é cada vez mais almejado por minorias que ainda percebem no cinema barreiras para encontrar a própria imagem. A pesquisadora Kércia Peixoto, em seu artigo “Racismo Contra Indígenas: reconhecer é combater”, diz que “a imagem do negro foi associada à escravização, e filmes e telenovelas trataram de consolidar essas representações, onde o negro, quando não interpretava o papel de escravo em novelas de época, representava serviçais, sob as ordens da elite branca. O índio raramente aparece nas mídias e, quando ocorre, sua imagem é vinculada a um passado romântico, sendo inexistente uma imagem contemporânea dos indígenas”.

 

No cinema mundial, a imagem do negro e do indígena é impregnada de valores que não lhes é inerente. A situação se torna ainda mais grave quando sua participação é mínima. De acordo com o estudo “Inequality in 700 popular films”, realizado pela Iniciativa de Mídia, Diversidade e Mudança Social da Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, o elenco dos filmes mais populares foi constituído em 73,1% por atores brancos.  

 

O cenário do audiovisual brasileiro não é diferente. Conforme informações da Agência Nacional de Cinema (Ancine), em especial, segundo as listagens de maiores bilheterias disponibilizadas no site do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, foi constatado que as posições de maior destaque no meio audiovisual são ocupadas por homens brancos. “De um total de 246 diretores e diretoras, não foi encontrada uma mulher preta ou parda. Os homens pretos e pardos não foram muito melhor, ficando cada categoria com apenas 1% da amostra total. Já os homens brancos dominam com 84% do total dos diretores, seguido das mulheres brancas, com 13%”, segundo o artigo de Kércia Peixoto. 

 

Tais dados acabam dando uma sensação de surpresa, levando em consideração a quantidade de pessoas declaradas negras no país. Um levantamento realizado em 2018 pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) estipula um total de  19,2 bilhões de pessoas autodeclarada pardas e pretas no Brasil. A respeito dos indígenas, o instituto estima uma composição de 896.917 pessoas que compõem as mais de 305 aldeias indígenas do país.

 

Dê um play nos podcasts abaixo para conhecer as trajetórias destas etnias no cinema nacional:

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FOTO: Cena do filme "O Dilúvio Maxacali", dirigido por Isael Maxacali/ Divulgação

Para ter uma noção de que filmes nacionais vêm à mente quando o assunto é protagonismo negro e indígena, fizemos uma enquete com a seguinte pergunta: você conhece algum filme brasileiro protagonizado por um negro ou por um indígena? 

 

Confira o resultado no vídeo abaixo:

“...devemos mostrar essas pessoas nas telas, mas também ouvir o que elas têm para dizer e mostrar quando estão do outro lado, ou seja, filmando” (Henrique Codato)

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FOTO: Cena do filme "Povoesia", de Gabrielle Madero e Gabriela Araruna/ Divulgação

Para Henrique Codato, Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre a Imagem da Universidade de Fortaleza (GPI/Unifor), representatividade é algo essencial. “Nós sabemos que no nosso contemporâneo só existe quem é visto. Quem não é visto, não existe. A ideia de atrelar a representação à representatividade é uma maneira de assegurar que determinados grupos, minorias étnicas por exemplo, possam também se verem representadas e se representarem. Isso significa que não só devemos mostrar essas pessoas nas telas, mas também ouvir o que elas têm para dizer e mostrar quando estão do outro lado, ou seja, filmando”, afirma.

 

Reforçando a ideia do estudioso, a documentarista Gabrielle Madero, responsável pelo filme “Povoesia”, fala sobre a necessidade de novas narrativas para se alcançar uma representação mais eficaz. “Torna-se imprescindível que as pessoas se tornem protagonistas de suas próprias narrativas, pois só cada um de nós tem propriedade para falar de nossas vivências, não se pode ocupar o espaço de fala para tratar de uma realidade que não nos pertence. E, quando insistimos somente em uma única perspectiva sobre pessoas ou lugares, nós superficializamos suas vivências, renegamos suas experiências e negligenciamos todas as outras possibilidades de narrativas que os formaram”.

"Temos que repudiar qualquer tentativa de representar a população negra e/ou indígena em situações que as mostrem como corpos para servirem a uma classe dominante embranquecida" (Hugo Porto)

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Diante desse cenário de baixa representatividade, existem aqueles que buscam estabelecer mudanças. No que diz respeito à superação do racismo, existe no estado do Ceará, a campanha "Igualdade Racial - um projeto por um Ceará sem racismo", lançada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). A iniciativa tem como objetivo promover o combate ao preconceito e ampliar a igualdade racial. Em entrevista, Hugo Porto, promotor de Justiça responsável pelo projeto, fala a respeito da necessidade de produções igualitárias e seus efeitos no ambiente estudantil. 

Pergunta: O projeto “Igualdade Racial” preza por um Ceará sem racismo. Como a participação da população afrodescendente e indígena em produções audiovisuais pode contribuir para o fortalecimento da igualdade racial?

 

Hugo Porto: Uma vez que 53% da população brasileira se declara preta/parda, a representação desse universo nas produções culturais se impõe. As produções audiovisuais, por vezes, retratam fragmentos da sociedade real ou do imaginário. Assim, ela precisa ser apresentada consoante sua diversidade, banindo os paradigmas discriminatórios, o branqueamento como fundo dominante nas produções e, portanto, construindo um modelo pautado na verdade identitária da sociedade brasileira. E essa participação tem que ser materialmente igualitária, não apenas estar o segmento presente nas produções, mas também protagoniza-las, mostrar-se em todos os papéis existentes na vida social e não apenas integrantes de posições subalternas, vulneráveis ou caracterizadas. Ter forte referência na formação sócio-cultural do país. Temos que banir o império dos papéis pré-definidos. As produções devem assegurar a representação da igualdade nas relações sociais, quebrando modelos impostos. Temos que repudiar qualquer tentativa de representar a população negra e/ou indígena em situações que as mostrem como corpos para servirem a uma classe dominante embranquecida. Vedar qualquer tentativa de inferiorização. Deve-se assegurar o amplo acesso à todos os papéis, independente que qualquer condição, ser médicos, cientistas, empresários, advogados, laureados, etc.

P: Sobre a Resolução 416/2016 da inclusão da história afro brasileira e indígena nas instituições de ensino, de que forma produções cinematográficas podem contribuir na disseminação deste ensino?

 

HP: A formação do ser humano se dá por meio da troca de conhecimentos, vivências e experiências, tanto pela via da educação formal, como da informal. Nessa seara, a arte se apresenta como um instrumento fundamental, pois incita a construção do ser por dentro, por suas percepções, de forma menos imediata, mas de maneira sólida. A arte traz pelo menos dois elementos claros, o antropológico e o estético. Ela representa e/ou é influenciada por um fragmento de tempo e do espaço, um momento da humanidade, e se expressa por meio de linguagens. Assim, as produções cinematográficas são instrumentos fundamentais para catalisar a formação, visto que informam, formam, provocam e instigam.

FOTO: Divulgação

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FOTO: Divulgação

Entendendo o cenário atual e buscando adaptá-lo com novas possibilidades,  o curso Passadiante se mostrou com uma proposta de descolonização do olhar. O projeto trabalha com coletivos periféricos de Fortaleza (PodeCrê, Nigéria, Coletivo Audiovisual do Titanzinho, Coletivo Entreolhos, Tentalize e Zóio) na produção de trabalhos audiovisuais sem preconceitos e com novas possibilidades. “O recorte da descolonialidade é protagonizado sobretudo pela turma, através das suas narrativas em seus respectivos territórios, nesse sentido. A partir desse olhar de dentro para fora, é possível identificar contradições, questionar determinadas estruturas, começar a pensar outras formas de fazer cinema e ocupar a cidade”, afirma Marina Holanda, assessora da comunicação do curso.  

Em relação à segurança dos direitos humanos, a defensora pública geral do Estado e titular da nova sede do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) e do Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham), Mariana Lobo, acredita que a arte é uma das possibilidades de representar esses direitos. "A arte e os direitos humanos andam de mãos dadas. É importante que as manifestações artísticas de todas as naturezas demonstrem a realidade que vivemos no dia a dia e possam transmitir a verdadeira noção de direitos humanos, que é o direito inerente à pessoa humana”, afirma. 

 

Para Antônio Álber, membro da Academia Cearense de Cinema, a representatividade tem sido valorizada em produções exibidas em eventos internacionais. “Festivais internacionais, como o de Locarno, Suíça, exibiu recentemente "A Febre", de Maya Da-Rin, "A Carne", de Camila Kater, entre outros. Isso para não falar de filmes do grande cinema, a exemplo de "Bacurau", de Kléber Mendonça Filho, obras de altíssima qualidade estética. Tomando por base clássicos, como "Orfeu Negro", de Marcel Camus, "Piazza Grande", de Jean-Luc Godard, e "Amor Maldito", de Adele Sampaio, o debate girou em torno das minorias, o negro à frente”.

 

Álber ainda reforça a diversidade de produções no cenário audiovisual cearense. “É notável o que se fez entre nós nos últimos anos. “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diógenes, é um filme notável. Que dizer ainda de “Rânia”, de Roberta Marques, ou as três grandes estreias de 2019, “Pacarrete”, Greta, Currais e Tremor? O Ceará, assim, coloca-se no mesmo patamar de outros centros da região Nordeste, cuja produção rompeu fronteiras mesmo em se tratando do grande cinema internacional, a exemplo de Pernambuco”, conclui.

“A partir desse olhar de dentro para fora, é possível identificar contradições, questionar determinadas estruturas, começar a pensar outras formas de fazer cinema e ocupar a cidade” (Marina Holanda)

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FOTO: Marina Lobo na inauguração do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC)/ Reprodução (Defensoria Pública do Ceará)

"A arte e os direitos humanos andam de mãos dadas. É importante que as manifestações artísticas de todas as naturezas demonstrem a realidade que vivemos no dia a dia (Mariana Lobo)

Disciplina de Jornalismo Digital

Curso de Jornalismo

Universidade de Fortaleza

Novembro de 2019

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